quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O Grande Vovô Mickey


Em 18 de novembro de 1928, o curta "Steamboat Willie", estrelado por mickey Mouse, era lançado no cinema. A primeira animação de Mickey é, na verdade, "Plain Crazy", finalizada por Walt Disney em março daquele ano. Mas, esperto, seu criador, Walter Elias Disney, preferiu que o personagem encontrasse o público com uma trilha sonora apropriada e decidiu que Mickey iria estrear com "Steamboat Willie", primeira animação com música sincronizada.
Apesar do caráter questionável que Walt Disney revelaria mais tarde, de sua mente conservadora, de sua sensibilidade estética limitada e das propagandas ideológicas dos desenhos em consonância com as políticas bélicas e imperialistas norte-americanas, o debute de Mickey Mouse indicava que aquele jovem nascido há 27 anos em Chicago tinha algo de visionário e vanguardista quando o assunto era tecnologia cinematográfica.
Cinema sonoro
A apenas um ano da estréia de "Steamboat", "O Cantor de Jazz" fazia a sua première em Nova York, inaugurando a era do cinema sonoro, na mais radical revolução que a linguagem fílmica já sofreu. E Walt Disney a assimilou muito bem. "Quando o Max Fleischer criou o Popeye, fez mais sucesso que o Mickey. A Betty Boop foi badaladíssima. Mas o Mickey trouxe características tecnológicas que a história do cinema jamais havia visto - a graça no movimento, a movimentação do background e sobretudo a forma como a música era usada, dialogando com o personagem. Tanto que o Eisenstein vai analisar o som nos desenhos do Disney", comenta Heitor Capuzzo, professor de história da animação na Escola de Belas Artes da UFMG, lembrando também a série de Disney "Silly Symphonies". "Disney entendeu que o cinema era 50% visual e 50% sonoro. Nesse sentido era um visionário, pioneiro numa indústria", afirma.
Fazendo jus aos fatos, quando "Steamboat Willie" estreou, a hierarquia dos letreiros na fachada do cinema colocava o seu título abaixo - e em letras menores - do filme "Gang War", estrelado por Olive Borden e Jack Pickford. Naquele tempo era impensável que as pessoas se interessassem por uma animação. E essa foi outra conseqüência de suma importância que a estréia de "Steamboat Willie" há 80 anos trouxe para o cinema - depois disso o público começou a ir ao cinema para ver o Mickey.
Naqueles primeiros anos, Mickey Mouse ainda era um cara legal, e seu caráter foi elemento fundamental para criar empatia com o público. A trama de "Steamboat", por exemplo, foi copiada por Disney de um filme de Buster Keaton, "Steamboat Bill Jr." "O Mickey não começa como um personagem politicamente correto. Ele é sacaninha, passa a perna nos outros, vai ser uma espécie de cidadão da rua, não fica uma coisa só para crianças", diz Capuzzo. Mas, para entrar na indústria, o rato começa a se comportar. "Disney volta então a uma coisa mais idílica, de contos de fada. E isso dá uma briga no estúdio, com Ub Iwerks, que era um animador propriamente dito (de Mickey, Alice e do Coelho Oswald), enquanto Disney desenhava mal e fazia o trabalho conceitual", conta Capuzzo. "Eles brigam e o Ub vai fazer personagens de conteúdo social, enquanto Disney vai mais para o escapismo, o mundo idílico e até um pouco brega, verdade seja dita".
Vislumbre vanguardista
Entretenimento é o meio de levar ‘fine art’ para as massas. "Este era o pensamento de John Hench, um dos seis primeiros animadores da Disney e dono da assinatura oficial do retrato de mickey Mouse até a sua morte, em 2004, aos 95 anos. A frase é lembrada pela pesquisadora dinamarquesa radicada nos Estados Unidos Vibeke Sorensen, responsável por implantar o departamento de animação da Universidade do Sul da Califórnia (USC), onde está a escola de cinema mais antiga das Américas e onde Vibeke e Hench trabalharam juntos.
A Disney limitou toda a sua história ao cartum, ou "animação de personagem" - que é apenas uma das infinitas possibilidades dessa arte que mistura linguagens das artes plásticas, gráficas e do cinema. Mas nem todos no estúdio estavam felizes com isto. Vibeke enfatiza o projeto de Hench em criar espaços para a arte, inclusive de vanguarda, na Disney, levando para dentro de seus estúdios artistas como Oskar Fischinger e Salvador Dalí.
"O John me disse várias vezes que sua idéia era ter artistas refinados na Disney para fazer curtas experimentais como uma forma de empurrar a linguagem do cinema e da animação", conta Vibeke, que é famosa por "salvar a vida" da Disney ao implantar um sistema de computação gráfica no estúdio, num momento de grande crise tecnológica e financeira. "Ele me contou histórias sobre Salvador Dalí, como foi visitá-lo na Europa e o ensinou a pintar e desenhar no estereoscópio 3-D. Eles chegaram até a pintar juntos em 3-D, com John pintando um lado e Dalí outro. O trabalho foi usado na capa da ‘Vogue Magazine’. No final da vida, Dalí fez algumas pinturas de larga escala no estereoscópio, o que é um legado de John Hench".

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